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sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofídicos ocorridos nos municípios do Estado do Amazonas

Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofídicos ocorridos nos municípios do Estado do Amazonas

Epidemiological and clinical aspects of snake accidentes in the municipalities of the State of Amazonas, Brazil

Resumo No Amazonas, o acidente ofídico é um problema de saúde pública pouco conhecido. Por este motivo, foi realizado um estudo descritivo dos acidentes ofídicos atendidos nas Unidades de Saúde de 34 municípios, um distrito e dois pelotões de fronteira do Estado do Amazonas. As características mais comuns encontradas dentre os pacientes foram: agricultor (50,4%), do sexo masculino (81,3%), em idade produtiva (72,1%), picado no membro inferior (88,5%), por jararaca (48,6%) ou surucucu (46,8%), na zona rural de seu município (70,2%) e que só recebeu atendimento médico em tempo superior a seis horas, após acidente (57,3%). As manifestações locais mais freqüentes foram: edema (76,9%), dor (68,7%), eritema (10,2%) e hemorragia (9,3%). Hemorragia (18,8%) foi a manifestação sistêmica mais freqüente. O antiveneno foi administrado em apenas 65,9% dos pacientes. A via mais utilizada foi a endovenosa (52,3%), sendo relevante o uso de vias não mais recomendadas (47,7%). O antiveneno administrado, na maioria dos pacientes, foi o antibotrópico (66,7%). As complicações mais freqüentes foram abcesso (13,7%), necrose (12,3%), infecção secundária (8,3%), insuficiência renal (2,5%) e gangrena (2,5%). Os procedimentos médicos mais usados para o tratamento das complicações foram: drenagem (52,6%), debridamento (28,9%), amputação (10,5%), limpeza cirúrgica (5,3%) e diálise peritoneal (2,6%). A letalidade foi de 1%.



Segundo Campbell e Lamar7, ocorrem no Estado do Amazonas sete serpentes da família Viperidae (Bothriopsis bilineata, Bothriopsis taeniata, Bothrops atrox, Bothrops brazili, Crotalus durissus, Lachesis muta muta e Porthidium hyoprora), pelo menos, onze espécies da família Elapidae (Micrurus averyi, M. collaris, M. filiformis, M. hemprichii, M. karlschimidti, M. langsdorff, M. lemniscatus, M. narduccii, M. putumayensis, M. spixii e M. surinamensis) e três gêneros da família Colubridae com registro de envenenamento, em humanos (Philodryas viridissimus, Clelia clelia e Erythrolamprus aesculapii)7 16.
Em estudo epidemiológico retrospectivo realizado com 734 pacientes atendidos no Instituto de Medicina Tropical do Amazonas, no período de 1986 a 1992, os quais eram, em sua maioria, procedentes dos municípios circunvizinhos à cidade de Manaus (Iranduba, Careiro da Várzea, Castanho e Rio Preto da Eva), foi observado que as principais espécies de serpentes causadoras de acidentes nesta região foram Bothrops atrox (76%) e Lachesis muta muta (10%)25. Os envenenamentos por estas espécies apresentam sintomatologias semelhantes (edema, dor, hemorragia local e sistêmica, necrose tecidual e insuficiência renal aguda). Existem algumas evidências de que a sintomatologia vagomimética, apresentada nos empeçonhamentos por Lachesis muta muta, possa ser usada como critério diferencial no diagnóstico clínico dos acidentes1 2 12 14. Segundo estudo retrospectivo, apenas 14,3% dos pacientes acidentados por Lachesis muta muta apresentam sintomas vagomiméticos26. Entretanto, iniciativas recentes têm buscado um imunodiagnóstico diferencial para os envenenamentos botrópicos e laquéticos18 13, visto que são raros os pacientes que trazem o animal causador9 20 25, prejudicando a administração de uma soroterapia específica.
Em algumas regiões do Brasil, o Metronidazol e a Heparina estão sendo utilizados, com base em trabalhos inconclusivos, como substitutos dos antivenenos no tratamento dos pacientes acidentados por ofídios17 21 27. Boechat e colaboradores4 demonstraram que a Heparina, além de não neutralizar a atividade coagulante do veneno de Bothrops atrox, potencializou a sua ação hemorrágica. Em relação ao Metronidazol a eficácia deste medicamento é obtida quando utilizado em dosagens tóxicas21. O extrato vegetal denominado "Específico P. Pessoa", que tem seu uso difundido na Amazônia como antiveneno polivalente, não foi capaz de neutralizar as principais atividades do veneno de Bothrops atrox 5 10.
Quanto à sazonalidade do Acidente Ofídico, tem sido sustentada a hipótese da influência da precipitação pluviométrica, a qual elevaria os níveis das águas dos rios, fazendo com que as serpentes que habitam as regiões próximas dessas margens se desloquem a procura de terra firme, e com a diminuição do espaço territorial, aumente o contato com o Homem, facilitando a ocorrência dos acidentes19 25.
O Acidente Ofídico é um problema de saúde pública no Amazonas, sendo importante a realização de estudos epidemiológicos e clínicos para o seu melhor conhecimento. Por este motivo, o presente trabalho descreve os aspectos epidemiológicos e clínicos do Acidente Ofídico no Interior do Estado do Amazonas.

MATERIAL E MÉTODOS
Fonte de dados. Neste trabalho foram analisados dados epidemiológicos e clínicos levantados dos prontuários de internação dos pacientes vítimas de acidentes ofídicos ocorridos, no interior do Estado do Amazonas, no período de janeiro de 1989 a dezembro de 1996. Para isso, foram avaliadas Unidades de Saúde, que prestam atendimento aos acidentados por animais peçonhentos, dos municípios das seguintes regiões: do Alto Solimões: Benjamim Constant, Tabatinga e Pelotões de Fronteira de: Atalaia do Norte e Santo Antônio do Içá; do Triângulo (Jutaí/Juruá/Solimões): Tefé; do Purus: Lábrea e Pauini; do Juruá: Carauari, Eirunepé e Envira; do Madeira: Apuí, Borba, Humaitá, Manicoré; do Alto Rio Negro: Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira; do Rio Negro/Solimões: Autazes, Castanho, Careiro da Várzea, Coari, Iranduba, Manacapuru e Novo Airão; do Médio Amazonas: Itacoatiara, Itapiranga, Maués, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, Silves e o distrito de Balbina; Baixo Amazonas - Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Nhamundá, Parintins, São Sebastião do Uatumã e Urucará (Tabela 1).


Dados Epidemiológicos. Idade, sexo, profissão, naturalidade, procedência segundo zona (rural ou urbana), horário do acidente, segmento corporal picado, serpente causadora do acidente e a sazonalidade dos acidentes. Em relação aos tipos de serpentes causadoras de acidentes, os dados obtidos basearam-se nas informações dos acidentados ou dos seus acompanhantes, ou na observação, pelos profissionais de saúde, dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes. Portanto, em todos os prontuários de acidente ofídico levantados neste trabalho o reconhecimento da serpente causadora do acidente não foi feito por profissionais especializados.
Dados Operacionais. Tempo decorrido entre o acidente e o atendimento médico.
Dados Clínicos. Dor, edema, eritema, equimose, flictena, hemorragia local, hemorragia sistêmica, náusea, vômito, tontura, desmaio, cefaléia, alterações visuais, parestesia local, oligúria, anúria, hipertermia, pressão arterial e outros sintomas (dispnéia, cianose, mialgia, desorientação e dores abdominais).
Dados de tratamento. Soroterapia (teste de sensibilidade, nome do soro administrado, número de ampolas, via de administração do soro), as reações de hipersensibilidade aos antivenenos (soros heterólogos) e os outros medicamentos utilizados pelos profissionais de saúde no atendimento dos pacientes acidentados (antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos, anti-histamínicos, ansiolíticos, metronidazol, anti-eméticos, toxóide tetânico, Específico P. Pessoa, vitaminas, hemostáticos, diuréticos, corticóides, adrenalina e outros medicamentos).
O tempo de coagulação sangüínea (TC), tempo de internação, condições de alta dos pacientes, complicações e condutas realizadas para as complicações, também foram analisados.
O programa, para computador, Epiinfo versão 6.0 foi utilizado para o armazenamento e a análise dos dados.

RESULTADOS
Dados epidemiológicos e clínicos. Do levantamento nas Unidades de Saúde foram obtidos 1.576 prontuários de acidentes ofídicos. Contudo, foram poucos os prontuários que continham todas as informações.
As características mais comuns encontradas dentre os pacientes acidentados por serpentes (n = 1576) foram: ser natural do Amazonas (89%), do sexo masculino (81,3%), agricultor (50,4%, Figura 1), em idade produtiva entre 15 a 59 anos (72,1%), que foi picado no membro inferior (88,5%), por jararaca (48,6%) ou surucucu (46,8%, Figura 2), durante o dia (76,3%), na zona rural de sua cidade (70,2%) e que só recebeu atendimento médico em tempo superior a 6 horas, após o acidente (57,3%,Figura 3).




Os sintomas locais (n = 966), que ocorreram com maior freqüência foram edema (76,9%) e dor (68,7%), seguidos por eritema (10,2%), hemorragia (9,3%), flictena (6,6%) e equimose (3,1%). Dentre os sintomas sistêmicos (n = 966), a hemorragia (gengivorragia, epistaxe, hematêmese e hematúria) foi descrita em 18,8% dos pacientes. As freqüências para os sintomas sugeridos como diferenciais entre os acidentes laquético e botrópico1 2 12 14 foram: vômito (6,2%), tontura (4,6%), náusea (4,1%), dores abdominais (2,4%), alterações visuais (1,9%) e desmaio (0,9%).
Dentre os sintomas menos freqüentes apresentados pelos pacientes, destacam-se dor abdominal (2,4%), cianose (2,2%) e mialgia (1,7%).
Apesar dos poucos registros da mensuração da pressão arterial (n = 288), a hipotensão foi aferida em 27,4% dos acidentados e a hipertensão em 5,2%. A hipotensão foi observada, com maior freqüência, em pacientes atendidos nas Unidades de Saúde dos municípios de Parintins, Coari e Eirunepé; e a hipertensão, nos pacientes atendidos em Parintins e Itacoatiara. Dos registros de temperatura corporal, a hipertermia (temperatura a ³ 37oC) ocorreu em 56,6% dos casos.
O exame laboratorial para avaliar o tempo de coagulação sangüínea (TC) só foi realizado em 14% (n = 221) dos pacientes. Destes pacientes, 53,8% apresentaram tempo de coagulação normal (< 10 minutos), 23,7% alterado (entre 10 e 30 minutos) e 22,5% incoagulável (> 30 minutos).
Soroterapia e tratamento de apoio. A soroterapia foi administrada em apenas 65,9% dos pacientes (n = 1359). O tratamento soroterápico foi realizado com maior freqüência nos pacientes atendidos nas Unidades de Saúde dos municípios de Tabatinga (94,4%) e São Gabriel da Cachoeira (92,3%); e as menores freqüências foram registradas para as Unidades de Saúde de Novo Airão (26,3%), Urucará (47,8%) e Parintins (49,3%).
As vias para a administração do antiveneno foram a endovenosa (52,3%), intramuscular (26,3%), subcutânea (8,3%) e associações dessas vias (13,1%).
O teste de sensibilidade ao antiveneno (soro heterólogo) foi solicitado para 16,4% (n = 258) dos pacientes.
Poucos registros (n = 96) foram encontrados sobre a ocorrência ou não de reações alérgicas apresentadas pelos pacientes, após administração do soro heterólogo. Destes registros, 15,6% dos pacientes apresentaram hipersensibilidade aos anticorpos eqüíneos.
O antiveneno mais administrado foi o antibotrópico (66,7%).
Na terapia de apoio, os antibióticos foram administrados em 73,6% dos pacientes; os analgésicos, em 61,5%; os anti-histamínicos, em 40,6%; os corticóides, em 27,3%; as vitaminas, em 27,6%; os anti-inflamatórios, em 26,5%; o metronidazol, em 16,4%; o toxóide tetânico, em 16,9% e, o Específico P. Pessoa, em 0,9%.
Tempo de Internação e Alta Hospitalar. O período de internação dos pacientes variou de um até 45 dias. Porém, a maioria dos pacientes (67,2%) ficou internada de um a cinco dias.
Poucas informações sobre as condições ou tipo de alta dos pacientes estavam disponíveis (n = 536). Destas, 54,5% dos pacientes tiveram alta melhorados; 32,2%, curados; 6%, transferidos; 5,2%, a pedido; 1,1%, sem autorização; e 1,0%, óbito.
Complicações e Condutas Médico-cirúrgicas. Foram poucas as informações sobre a ocorrência de complicações (n = 204) e as respectivas condutas médico-cirúrgicas (n = 160). Dos casos analisados ocorreu abcesso local em 13,7%, necrose em 12,3%, infecção secundária em 8,3%, insuficiência renal em 2,5%, gangrena em 2,5%, doença do soro em 0,5%, elefantíase em 0,5% e em 59,7% não ocorreram complicações. As condutas médico-cirúrgicas utilizadas, para as complicações, foram: drenagem (52,6%), debridamento (28,9%), amputação (10,5%), limpeza cirúrgica (5,3%), diálise peritoneal (2,6%) e fasciotomia (2,6%).
Sazonalidade do acidente ofídico. A influência da sazonalidade (Figura 4) foi observada em treze municípios. Apuí apresentou maior ocorrência de acidentes em fevereiro, abril, maio e junho; Maués, em fevereiro, março e maio; Nhamundá, em abril e setembro; Parintins, em maio e outubro; Presidente Figueiredo, em março; Itacoatiara, em março e dezembro; Tabatinga, em abril; São Gabriel da Cachoeira e Tefé em dezembro; Coari e Eirunepé, em julho; Manacapuru e Benjamim Constant em maio. A soma dos casos apresentados mostra que no mês de maio ocorreu o maior número de acidentes, seguido pelos meses de março, julho e abril.


DISCUSSÃO
Os dados referentes a sexo, idade, profissão do paciente, horário do acidente, procedência e segmento corporal picado, foram semelhantes aos encontrados em outros trabalhos realizados nas Regiões Amazônica9 12 19 25 e Sudeste6 23.
Considerando-se as descrições realizadas pelos médicos, pacientes ou acompanhantes, para o reconhecimento da serpente causadora dos acidentes, o somatório dos registros dos acidentes atribuídos a jararaca, ou a surucucurana e ou Bothrops correspondeu a 48,6 (Figura 2). Enquanto, o somatório dos registros para a surucucu (nome popular dado a Lachesis muta muta) ou Lachesis, resultou em 46,8%. Em Belém (PA, Brasil) Pardal e colaboradores20, utilizando-se também das informações de pacientes e acompanhantes encontraram os seguintes resultados: a surucucu e a jararaca foram as principais serpentes causadoras de acidentes, correspondendo a 36,7% e 18,9%, respectivamente. Estes dados, contrariam os resultados obtidos, no Instituto de Medicina Tropical do Amazonas (Manaus, AM, Brasil)25, pelos registros dos pacientes que trouxeram o animal causador, demonstrando ser a Bothrops atrox a principal serpente causadora de acidentes, em 76% dos casos e a Lachesis muta muta, em apenas 10%.
Importante lembrar que no Amazonas existem, além da Bothrops atrox para qual são atribuídos a maioria dos acidentes na região Amazônica, mais quatro espécies de serpentes, popularmente, chamadas de jararacas (Bothrops brazilii, Bothriopsis taeniata, B. bilineata Porthidium hyoprora). Os trabalhos realizados no Amazonas sobre acidente ofídico foram realizados, no Instituto de Medicina Tropical do Amazonas (Manaus, AM, Brasil) onde são atendidos os pacientes procedentes, principalmente, dos municípios circunvizinhos e da periferia da cidade de Manaus.
O Amazonas é o maior Estado da Federação, apresenta diversidade de ecossistemas como, matas inundadas, várzeas, igapó, terra-firme e por isso, deve ser pouco provável que apenas a Bothrops atrox seja a serpente causadora de acidentes. Estes dados, descritos a seguir dão suporte a esta hipótese, por exemplo: os acidentes causados por cobra-papagaio (nome popular dado para as serpentes Bothriopsis bilineata e Corallus caninus) foram registrados em Benjamim Constant (três acidentes), Coari (um acidente) e Manacapuru (dois acidentes), municípios localizados às margens do Rio Solimões; e os pacientes que apresentaram com maior freqüência os sintomas descritos como diferenciais para Lachesis muta muta foram os atendidos nas Unidades de Saúde de Manacapuru, Coari, Tefé (municípios localizados na margem do Rio Solimões), Itacoatiara, Parintins (municípios localizados na margem do Rio Amazonas), Maués e Urucará.
Além da diferenciação dos ecossistemas a distribuição geográfica das serpentes na Amazônia brasileira, principalmente, nos Estados do Amazonas e Acre é praticamente desconhecida, baseando-se apenas em coletas esparsas. Dessa forma, estudos sobre a freqüência de espécies e sobre estrutura das comunidades de serpentes devem ser realizados para que possamos conhecer melhor as espécies responsáveis pelos acidentes ofídicos e com isso, exigir que sejam produzidos antivenenos mais específicos para as serpentes dessa região.
Na Região Amazônica são predominantes os acidentes por serpentes dos gêneros Bothrops e Lachesis, que provocam sintomatologias semelhantes, pois sintomas vagomiméticos, descritos como diferenciais, foram presentes em apenas 14,3% dos pacientes acidentados por Lachesis muta muta26. Por este motivo, o antiveneno botrópico-laquético deveria ser administrado em pacientes que não levam a serpente causadora do acidente ao serviço médico, pois o soro antibotrópico não neutraliza, eficazmente, a atividade coagulante do veneno laquético2. No entanto, apenas 5,3% dos pacientes receberam o soro bivalente, o antibotrópico-laquético.
O número de ampolas utilizadas nos tratamentos variou de zero a quinze, sendo a moda o uso de cinco ampolas por acidente (35,1%). A não realização da soroterapia (34,1%) e da administração de subdoses (20%) estão relacionadas, principalmente, com a falta de antivenenos nas Unidades de Saúde. A Unidade de Saúde de Tabatinga, para minimizar esse problema, compra os antivenenos produzidos em Bogotá (Colômbia).
Outro fato importante observado foi a administração dos antiveneno pelas vias intramuscular (26,3%), subcutânea (8,3%) e associação de vias (13,1%), não mais recomendadas pelo Ministério da Saúde1 11 16 por serem menos eficazes, na neutralização dos venenos22, que a via endovenosa (utilizada em 52,3%).
Nos casos de acidentes ofídicos, a análise do tempo de coagulação sangüínea (TC) é muito importante tanto para o diagnóstico do acidente como, também, para avaliar a eficácia da soroterapia1 8 11 16. Neste levantamento o exame do tempo de coagulação foi solicitado, apenas, para 14% dos pacientes.
Os medicamentos usados no tratamento de apoio variaram entre as Unidades de Saúde do Interior do Amazonas. O maior índice de uso de antibióticos ocorreu em Parintins (91,2%) e o menor, em Urucará (23,9%).
Dos pacientes medicados com vitaminas (n = 311), 26,1% receberam vitamina K como coadjuvante no tratamento ou na prevenção de hemorragias. Sabe-se que a vitamina K participa da síntese da protrombina e que os venenos botrópicos e laquético, na sua maioria, possuem enzimas que clivam o fibrinogênio direta e indiretamente levando ao consumo total desse fator da coagulação sangüínea1 11 16. Portanto, o uso de vitamina K nesses pacientes, em nada contribui para evitar ou tratar as hemorragias causadas pelos envenenamentos ofídicos.
O metronidazol foi utilizado em 16,4% (n = 258) dos acidentados e com maior freqüência, nos pacientes atendidos nas Unidades de Saúde de Urucará (71,4%) e Autazes (58,8%). Dos 185 pacientes que fizeram uso de metronidazol, 49 (26,5%) receberam, também, antibiótico e não receberam soroterapia. Podendo, nestes casos, o metronidazol estar sendo utilizado, empiricamente, como substituto dos antivenenos.
O Específico P. Pessoa é um extrato vegetal usado, popularmente, como antiveneno porém, comprovadamente, sem eficácia na neutralização do veneno de Bothrops atrox5. Este extrato vegetal foi prescrito por profissionais das Unidades de Saúde dos municípios de Silves (33,3%), Boa Vista do Ramos (20%), Autazes (14,7%), Maués (2,5%) e Humaitá (1,7%).
A percentagem de pacientes atendidos em tempo igual ou superior a 6 horas após o acidente foi de 57,3% (Figura 3), sendo semelhante à obtida em Belém (PA) que foi de 56,1%20, mais elevada se comparada com as percentagens encontradas em Manaus (AM)25 e Letícia (Colômbia)12 que foram, respectivamente, 50% e 47%; e, consideravelmente, superior à obtida em São Paulo (SP) que foi de 12%24. Essa alta percentagem é justificada pela dificuldade de deslocamento da zona rural, onde ocorre a maioria dos acidentes (70,2%), para a sede dos municípios, devido a grande extensão territorial destes e a predominância do transporte fluvial no interior do Estado. Esse retardo no atendimento influencia na morbidade e letalidade dos pacientes.
O quadro dos acidentados por serpentes peçonhentas, no Amazonas, é agravado, também, pela conduta assumida por parte dos profissionais da saúde, de não realizar a soroterapia em pacientes que chegam ao serviço médico em tempo igual ou superior a seis horas após a picada, isso sem qualquer fundamentação científica. Os resultados obtidos neste trabalho confirmam esta prática, pois, do cruzamento das variáveis, tempo decorrido entre o acidente e atendimento médico com soroterapia, foi observado que 76% dos pacientes que não receberam o antiveneno foram atendidos em tempo superior a seis horas, após o acidente. Esta conduta prejudica o paciente, pois o veneno mantém-se circulante por vários dias após a picada3. O resultado do cruzamento das variáveis tempo decorrido entre acidente e atendimento médico com complicações locais e sistêmicas mostra, que o aumento das complicações do Acidente Ofídico está relacionado com a demora da chegada do paciente ao serviço médico. Dos pacientes que foram a óbito, com informação sobre o tempo decorrido entre o acidente e o atendimento, 90% chegaram em tempo superior a seis horas do acidente. Resultados semelhantes foram observados por Ribeiro e colaboradores23 onde mostraram haver uma associação entre a letalidade com o tempo decorrido entre a picada e o atendimento médico, em acidentados no Estado de São Paulo.
Do cruzamento das variáveis soroterapia com letalidade, observamos que em 33,3% dos casos de óbito os pacientes não receberam soroterapia. Dos que foram tratados com o antiveneno 20% receberam subdoses (1/2 a 3 ampolas). Essa situação de retardo ou de ausência da soroterapia (34,1%), favorece a ocorrência de complicações locais e sistêmicas, com sensíveis reflexos na taxa de letalidade do acidente ofídico no Estado do Amazonas (1%), que foi alta, considerando a predominância de acidentes botrópicos e laquéticos. A percentagem total de letalidade registrada para o Estado de São Paulo foi de 0,4%24. Ressalta-se ainda que, no Estado de São Paulo, ocorrem acidentes com cascavéis (Crotalus durissus terrificus), o gênero responsável pelo maior coeficiente de óbito no Brasil (2,52%)15.
Existem trabalhos19 25 que atribuem às cheias dos rios a variação sazonal do acidente ofídico no Estado do Amazonas. Como podemos notar (Figura 4), não há uma uniformidade entre os municípios, quanto aos meses de maior ocorrência dos acidentes ofídicos. Os dados mostram que além de uma possível influência das cheias dos rios na elevação do número de casos, deve-se considerar também a influência das atividades sócio-econômicas de cada município ou região, em especial, as agrícolas e extrativistas.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos em especial à Força Aérea Brasileira pelo apoio de transporte e pelo auxílio nos levantamentos dos dados. Os autores agradecem ainda os integrantes do Grupo de Assistência ao Acidente Ofídico (GAAO) pelo levantamento dos dados, nas Unidades de Saúde dos Municípios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC/FUA/CNPq; 2. Instituto de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta (IDTVAM); 3. Fundação Universidade do Amazonas.


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